Caminhar, pensar, pensar, caminhar, com que ritmo, com que cadência? Vou para o trabalho a pé e volto dele a pé, e nesse caminho a paisagem que me adentra é o pensamento que flui. Thoreau escrevia “Parece que, no momento em que as minhas pernas começam a mover-se, os meus pensamentos começam a fluir.”
É sabido que o caminhar anda de mãos dadas com a literatura, como fonte de inspiração, como forma de se elaborar uma história. É só estender o mapa literário e encontramos Virginia Woolf com a sua Mrs Dalloway em Londres, ou melhor, a Clarissa a caminhar pela Bond Street para comprar flores; mergulhamos em Ulisses, de James Joyce, na caminhada do alter-ego Stephen Dedalus, que percorre muitas ruas da capital irlandesa para se encontrar com Leopold Bloom; viajamos a pé com Sebald pelos “Anéis de Saturno”; caminhamos no gelo com Werzog, que atravessou a pé a Alemanha e entrou na França, chegando ao seu destino: o hospital onde se encontrava a sua amiga Lotte Eisner.
Ainda antes da literatura, há a filosofia. Na Grécia Antiga, houve a escola peripatética em que os discípulos de Aristóteles caminhavam enquanto liam e davam preleções. Uns anos depois, os filósofos Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger tomavam o caminhar como importante.
Voltando à literatura, há os poetas. “My streets are my Ideas of Imagination”, William Blake no seu poema épico Jerusalém. Para Baudelaire, ao caminhar nas suas ruas, Paris tornou-se num livro para ler, como flâneur, um sujeito que caminhava pelas ruas de Paris, de maneira contemplativa. Em “Caminhada”, Henry David Thoreau conta-nos que “quando um certo viajante pediu à criada de Wordsworth que o levasse até ao escritório do seu amo, ela retrucou: “a biblioteca é aqui, mas o escritório é ao ar livre”. E, como para Thoreau, o caminhar estava interligado com a natureza.
O poeta Wallace Stevens caminhava para o trabalho todas as manhãs e voltava para a casa a escrever poemas na sua cabeça. E foi assim que surgiu o seu famoso poema “Thirteen ways of looking at a blackbird”.
Nos romances, na filosofia, na poesia, no cinema, o andar é um acto de pensamento. Andar é ganhar espaço, o espaço que comunga com o interior. A forma como caminhamos, o ritmo que tomamos também é o espelho desse interior. Caminhar, vaguear, errar.
Terminando esta caminhada (que foi um pequeno passo), trago para esta linha Robert Walser, que morre na neve aquando de um dos seus passeios habituais perto da clínica para doentes mentais onde estava hospitalizado. Walser gostava muito de caminhar e percorreu muitas distâncias a pé. Em “Caminhadas com Robert Walser”, Carl Serlig acompanhou o escritor suiço em alguns dos seus passeios diários. Estes diários são exemplo do “olhar caminhante” e o mistério que habitava em Walser, e que segundo Vila-Matas foi o pioneiro na arte de desaparecer.
Quais são os vossos personagens “caminhantes”, “errantes”, “deambulantes” preferidos?
Sem comentários:
Enviar um comentário