segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Curzio Malaparte, "Kaputt"

 

"Eu possuía ainda um pouco de pão e queijo no saco de viagem; comecei a comer, percorrendo a passadas largas o compartimento. Tirara as botas e caminhava de pés descalços pelo chão de terra batida, percorrido por colunas de grandes formigas negras. Sentia as formigas subirem-me pelos pés, insinuarem-se entre os dedos, explorarem-me os tornozelos. Estava morto de fadiga e nem sequer conseguia mastigar, de tal modo sentia os maxilares renitentes e os dentes doridos pela fadiga. Deixei-me cair, finalmente, sobre a cama e fechei os olhos, mas não consegui adormecer. De tempos a tempos, um tiro de espingarda, próximo ou longínquo, rompia o silêncio da noite. Eram tiros disparados por guerrilheiros, escondidos nos campos de trigo e nas florestas de girassóis que cobrem toda a imensa planície ucraniana quer do lado de Kiev, quer do de Odessa. Depois, à medida que a noite se tornava mais densa, o fedor da carcaça do cavalo fundia-se com o perfume da erva e dos girassóis. Não podia dormir. Estava estendido no meu leito de olhos fechados, mas não conseguia adormecer, de tal modo estava morto de fadiga."

Curzio Malaparte, "Kaputt", cavalo de ferro.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os 50 anos de Assírio & Alvim

  No dia 12 de Novembro de 2022, a editora Assírio & Alvim completou cinquenta anos. E isso levou-me a percorrer memórias e a perceber o...