segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Os 50 anos de Assírio & Alvim

 

No dia 12 de Novembro de 2022, a editora Assírio & Alvim completou cinquenta anos. E isso levou-me a percorrer memórias e a perceber o quanto ela foi importante na minha descoberta de autores, de livros, de pintores.

Há uns anos descia a Rua Miguel Bombarda, a conhecida rua das galerias no Porto, na expectativa de encontrar livros novos na livraria Assírio & Alvim. O ritual era quase sempre o mesmo, já conhecia de cor aquele espaço. Percorria as estantes, dedilhava nomes, memorizava títulos, trazia os marcadores que estavam pousados nas prateleiras, e buscava A Phala. Esta era uma publicação mensal e gratuita da editora e, para mim, a melhor que alguma editora já realizou. Ao mesmo tempo, esperava religiosamente pela feira dos livros manuseados para trazer um ou outro livro. Foi assim que trouxe o «meu» António Franco Alexandre, com a marca de uma etiqueta velha que foi retirada.

A livraria não era só um espaço onde o lume era o catálogo extraordinário da Assírio, também era a luz de um espaço de encontros e de exposições. (E não bastava um cesto cheio de figos, ainda tínhamos esse melaço todo.) Infelizmente, nunca tive a sorte de me cruzar com Mário Cesariny, nem de ver o fumo do cigarro de Vila-Matas.

O coração da editora Assírio & Avim era o editor e poeta Manuel Hermínio Monteiro, verdadeiramente apaixonado pelo que fazia. Segundo o poeta Manuel António Pina, «os catálogos da Assírio são de alguma forma, um seu bilhete de identidade. Como aquela personagem de Borges que, desenhando ao longo de toda a vida um mapa, e enchendo minuciosamente o papel de rios, cidades, montanhas, impérios, descobre na confusão de manchas, traços, volumes, a imagem do seu próprio rosto, também os livros que o Hermínio editou ao longo da vida desenham (vêmo-lo agora nitidamente) o perfil do seu rosto intelectual e afectivo.»

Manuel Hermínio Monteiro escreveu várias introduções editoriais, notas, comentários na publicação A Phala. No número 4 de Janeiro/Fevereiro de 1987, falava da castração do rio Tâmega, do ambiente (um tema sempre actual): «Agora, nas vésperas do séc XXI, no Ano Internacional do Ambiente e ano comemorativo do centenário do nascimento do Amadeo, uma barragem já construída, pretende transformar esta força anímica e “o vale sagrado de Tâmega” num imenso lençol de águas paradas e chocas. Desaparecerão para sempre os centenários arvoredos, os rochedos, as ínsulas. Os moinhos e as poldras ficarão submersos. A um rio vivo, buliçoso e viril sucederá um lago imóvel de águas lamacentas e silenciosas, semicerrando os olhos dos arcos da ponte de S. Gonçalo, como se a letra M da palavra aMarante fosse substituída por um espesso traço horizontal, tornando-o ilegível.»

Voltando ao meio-século, são muitos os títulos, muitos os livros que demonstram como esta editora abriga o melhor da cultura portuguesa.

Para vocês, quais são os livros marcantes da Assírio & Alvim?

Nuccio Ordine, A Utilidade do Inútil

 

“Flaubert, no seu Dicionário das Ideias Feitas, define a poesia como “completamente inútil”, porque “passou de moda”, e o poeta como “sinónimo de pateta” e de “sonhador”. Parece que  não serviu para nada o sublime verso  final de um poema lírico de Hölderlin em que recorda o papel fundador do poeta: “Mas o poeta funda o que resta”.

Nuccio Ordine, A Utilidade do Inútil, Faktoria de Livros.

Caminhar

 

Caminhar, pensar, pensar, caminhar, com que ritmo, com que cadência? Vou para o trabalho a pé e volto dele a pé, e nesse caminho a paisagem que me adentra é o pensamento que flui. Thoreau escrevia “Parece que, no momento em que as minhas pernas começam a mover-se, os meus pensamentos começam a fluir.”

É sabido que o caminhar anda de mãos dadas com a literatura, como fonte de inspiração, como forma de se elaborar uma história. É só estender o mapa literário e encontramos Virginia Woolf com a sua Mrs Dalloway em Londres, ou melhor, a Clarissa a caminhar pela Bond Street para comprar flores; mergulhamos em Ulisses, de James Joyce, na caminhada do alter-ego Stephen Dedalus, que percorre muitas ruas da capital irlandesa para se encontrar com Leopold Bloom; viajamos a pé com Sebald pelos “Anéis de Saturno”; caminhamos no gelo com Werzog, que atravessou a pé a Alemanha e entrou na França, chegando ao seu destino: o hospital onde se encontrava a sua amiga Lotte Eisner.

Ainda antes da literatura, há a filosofia. Na Grécia Antiga, houve a escola peripatética em que os discípulos de Aristóteles caminhavam enquanto liam e davam preleções. Uns anos depois, os filósofos Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger tomavam o caminhar como importante.

Voltando à literatura, há os poetas. “My streets are my Ideas of Imagination”, William Blake no seu poema épico Jerusalém. Para Baudelaire, ao caminhar nas suas ruas, Paris tornou-se num livro para ler, como flâneur, um sujeito que caminhava pelas ruas de Paris, de maneira contemplativa. Em “Caminhada”, Henry David Thoreau conta-nos que “quando um certo viajante pediu à criada de Wordsworth que o levasse até ao escritório do seu amo, ela retrucou: “a biblioteca é aqui, mas o escritório é ao ar livre”. E, como para Thoreau, o caminhar estava interligado com a natureza.

O poeta Wallace Stevens caminhava para o trabalho todas as manhãs e voltava para a casa a escrever poemas na sua cabeça. E foi assim que surgiu o seu famoso poema “Thirteen ways of looking at a blackbird”.

Nos romances, na filosofia, na poesia, no cinema, o andar é um acto de pensamento. Andar é ganhar espaço, o espaço que comunga com o interior. A forma como caminhamos, o ritmo que tomamos também é o espelho desse interior. Caminhar, vaguear, errar.

Terminando esta caminhada (que foi um pequeno passo), trago para esta linha Robert Walser, que morre na neve aquando de um dos seus passeios habituais perto da clínica para doentes mentais onde estava hospitalizado. Walser gostava muito de caminhar e percorreu muitas distâncias a pé. Em “Caminhadas com Robert Walser”, Carl Serlig acompanhou o escritor suiço em alguns dos seus passeios diários. Estes diários são exemplo do “olhar caminhante” e o mistério que habitava em Walser, e que segundo Vila-Matas foi o pioneiro na arte de desaparecer.

Quais são os vossos personagens “caminhantes”, “errantes”, “deambulantes” preferidos?

Cormac McCarthy, "A Estrada"

 

"De manhã ele reavivou a fogueira e comeram e contemplaram a beira-mar. A aparência fria e chuvosa daquela costa não diferia muito das paisagens costeiras do mundo setentrional. Nenhuma gaivota, nenhuma ave marinha Artefactos carbonizados e absurdos dispersos ao longo da orla marítima ou a rolar nas ondas. Apanharam madeira trazida pelo mar e amontoaram-na e cobriram-na com o oleado e depois começaram a caminhar pela praia fora. Somos vagabundos das praias, disse ele. E o que é isso? São pessoas que andam pela praia, à procura de coisas de valor que o mar possa ter trazido. Que géneros de coisas? Todas as coisas possíveis e imaginárias . Tudo o que nos possa ser útil. Achas que vamos encontrar alguma coisa? Não sei. Vamos dar uma olhadela . Dar uma olhadela, disse o rapaz."

Cormac McCarthy, "A Estrada", Relógio d' Água

"Persephone Books”

 

A segunda livraria que trago aqui é “Persephone Books”. Não me recordo muito bem de como cheguei até ao bairro Bloomsbury, em Londres, onde viveu Virginia Woolf e o seus amigos intelectuais, e maravilhei-me com “Persephone Books”. Pensava eu que só existiriam livrarias destas em pixel inventado por algum algoritmo no Instagram, ou em padrão repetido várias vezes num papel de embrulho de uma papelaria muito chique. Contudo, ela existe mesmo e eu fiquei encantada.

Além de livraria, “Persephone Books” também é uma editora que publica obras de ficção e não ficção, escritas principalmente por mulheres entre a primeira e a segunda Grande Guerra Mundial e que a escritora e editora Nicola Beauman voltou a editar para que elas não fossem esquecidas, desconhecidas e esgotadas.

A editora tem um cuidado muito particular com a edição, ou seja, cada livro tem a particularidade de ter na sua folha de guarda um tecido com um padrão diferente. A sua capa é cinzenta, porque, para Nicola Beauman, os leitores não se vão interessar pelo aspecto, mas sim pelo conteúdo.

Também há uma atenção especial na forma com os livros se encontram expostos na livraria. Estão organizados de forma horizontal e à frente de cada “legado” há um marcador a assinalar o nome da autora ou de autor.

No dia em que visitei a livraria, a proprietária Nicola Beauman, com a sua chávena de chá entre mãos, era entrevistada para um jornal norte-americano. Soube depois, num site, o que ela diria nessa manhã outonal.

Flores, cestos com mantas, quadros, janelas banham todo este quadro em que gostaria de permanecer. Um quadro vivo. “Persephone Books” existe mesmo.

TELÉSTIC0, "Rimbaud"

 Viajou de forma exaustiva por 3 continentes antes de morreR

Cresceu separadamente do seu paI

enfant terrible é o que todos sugereM

há quem diga também que hoje seria um poeta num rock cluB

em város filmes a sua vida foi retratadA

a literatura, a música,a arte, influencioU

o mais subversivo dos poetas, RimbauD

Damon Galgut, "A Promessa"

"Há um momento do dia que tenta reservar para si mesma, mais concretamente as primeiras duas horas depois do turno. Seja de manhã ou de noite, o ritual é o mesmo. Enche a banheira e acende uma vela no rebordo. Depois despe o uniforme hospitalar, peça a peça, sempre com cuidado para seguir a ordem certa, porque, se houver um engano na sequência, vai ter de se vestir outra vez e recomeçar do princípio. Estendida dentro de água morna, enquanto a luz na casa de banho vai mudando, ela consegue muitas vezes esquecer-se de si mesma por uns minutos. Ou então tornar-se tão completamente ela mesma que tudo o resto fica em suspenso, incluindo o dia comprido e difícil que deixou para trás. Mas esta noite ela está inquieta, algo não bate certo no coração das coisas."

Damon Galgut, "A Promessa", Relógio d' Água. 

Os 50 anos de Assírio & Alvim

  No dia 12 de Novembro de 2022, a editora Assírio & Alvim completou cinquenta anos. E isso levou-me a percorrer memórias e a perceber o...